Do guarda-roupa e da vida



Sempre tive uma relação interessante com o meu guarda-roupa. Sempre. E de alguma forma muito misteriosa ele revela como anda minha vida emocional, meu interior. É a personificação da minha existência. 

Na infância, eu dividia meu espaço no armário com a minha irmã. Na verdade, com a minha irmã, Menudos e Dominós. Minha participação naquele espaço era praticamente nula. O que me tocava eram mais as gavetas de uma antiga penteadeira. Na adolescência, fui ganhando o mundo e um guarda-roupas só para mim. À época, era um turbilhão de informações. Um rebuliço. Livros, figurinhas, ursos de pelúcia, papéis de carta, cadernos, diários e Barbies  - tudo misturado. Mas os móveis ainda guardavam a lembrança de outros donos...

Aos 15 anos, avessa as festas e exposições sociais exageradas, ao invés de "debus", ganhei meu primeiro quarto. O guarda-roupa vestia-se de bege. Tinha um espelho grande nas portas do meio. E eu passava a me ver com mais nitidez. Dei-me conta que acumular boas lembranças era mais importante do que acumular o desconforto de peças mal ajustadas ao corpo da gente. Foi então que ali, naquele guarda-roupa, organizei a minha vida em pequenos espaços.

Ainda hoje me deparo com meu guarda-roupa retratando muito de mim. Ora bagunçado, ora organizado, ora cheio, ora vazio. Toda estação é tempo de visitá-lo com mãos abertas, olhar-nos face a face - como no espelho da água em beira de rio. 


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