Manhã de Crônica na capital
Às 8 horas é possível escutar os pássaros e o eco de tacos apressados na capital. A cidade acorda da noite que não cerrou os olhos. As pombas voam donas de si e dos monumentos. Na esquina da Praça XV, um grupo de garis se organiza para minimizar os estragos da pressa que não vê lata de lixo. Escovões começam a arranhar as ruas, desviando de plataformas, mocassins, rasteirinhas, chinelos, pipitus, calças e pernas de fora.
A Dos Andradas cheira a pão de queijo às 9 horas e uma mulher oferece prótese. Uma prótese moça (?), me perguntaram. Lembrei-me, então, dos peitos duros e pouco humanos nas capas das revista do calçadão. Agradeci. Meus dentes ainda me servem bem.
A diante, na esquina democrática, outra mulher grita: controle remoto, controle remoto para sua televisão. Minha televisão anda desligada, pensei, e tenho o controle em minhas mãos. Controlo meus passos, minhas contas, minhas paixões. Descontrolo em dias de não sintonia, de tempo querendo chover dentro de mim. Democraticamente.
Um cego vende quina por 2 reais e me intriga saber se são de hoje os jogos. Gostaria de perguntar que números me indicaria, que ruídos lhe são mais estridentes no centro da capital. Por que grita? Alguma dor?
No Mercado tem gravação de curta gaúcho. Eu paro na minha pressa de guria do interior, contemplo faceira uma cena que só a televisão me explicará. Ou não. Peixes, cestas de vime, temperos de todas as partes do mundo, queijos, pessoas se cruzando sem se olharem nos olhos, velas e santos dão ao que caminha um choque sensorial. O corpo e seus sentidos sentem o espaço e perturbam-se. Na porta, uma religiosa vende sorte e abre caminhos.
Ao meio-dia os sons são múltiplos e todos movimentam o coração da capital. Não se pode saber se o trem chegou ou partiu, se vendedora de flores tem delicadeza de orquídeas, nem se há greve no coração dos homens. Tudo se confunde. No fundo, eco de tacos apressados na capital. A cidade não para e um homem diz: nascidos em 30 e 40, nascidos em 30 e 40. Algum retardatário buscando companhia no tempo que se vai, rapidamente.
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