Para além das fronteiras
Eu sou de músicas pela casa. Sou dos sarandeios e das coreografias imaginárias dançadas de pé descalço. Sou de balançar o corpo e sacudir a alma ao som de qualquer cantiga, seja com mp3, seja com rádio a pilha. Se o coração me levar, sou dançarina e bailo braços e sorrisos de iluminar quimeras.
Quando criança, esperava ansiosamente as tardes de domingo. Nestas tardes, na rádio da universidade, um radialista levava histórias para a casa de muitos ouvintes. Eu ficava quietinha, escutando e tentando adivinhar os porquês, os finais, o depois dos personagens. Eu sempre gostei de olhar para as pessoas e saber de suas riquezas incalculáveis, suas bagagens perdidas na memória das estações da vida.
Os LPs e as fita K7 faziam a minha festa nos demais dias da semana. Escutava o que escutavam os meus pais. Adorava Francisco Petrônio e o Grande Baile da Saudade e talvez agora o verso "ah que saudade tenho dos bailes de outrora" faça, ainda, mais sentido. Era um tempo em que sertanejo cantava música de raiz, falava das coisas da terra, da vida e das dificuldades do campo e música gaúcha obrigatoriamente tinha que ter passado pela Califórnia. Aliás, bons tempos os dos festivais, pois davam espaço e voz para artistas maravilhosos como Antônio Augusto Ferreira, César Passarinho e tantos mais.
Na fronteira, o rádio é ainda mais interessante. Primeiro, porque as músicas não muraram muito. Aqui, ainda se escuta estas músicas inesquecíveis de outros tempos. Depois, porque aqui esta fronteira (quase) não existe.
Em Santa Maria, esperava passar a meia-noite para sintonizar as rádios da Argentina e tinha grande dificuldade de escutá-las sem ruído. Era pela internet que isso funcionava melhor, mas se perdia o encantamento da sintonia, do rádio do lado, do som característico das estações AM. Aqui na região de fronteira, isto não acontece. Após às 18 horas, quase todas as rádios são do outro lado. É como se nos acercássemos mais e apagássemos as linhas divisórias que delimitam espaços, línguas e culturas (y otras cositas más).
Na região da fronteira, o rádio inunda a casa, inunda a minha casa. Com seus comentários, suas memórias e suas músicas, eu sarandeio memórias e crio coreografias para o futuro. Se o coração me levar...se o coração me levar... sou dançarina e bailo braços e sorrisos de iluminar quimeras.
Comentários
Postar um comentário