“A LEITURA, RESSURREIÇÃO DE LÁZARO, LEVANTA A LÁPIDE DAS PALAVRAS” *


A história da morte e ressurreição de Lázaro é contada pelo Evangelho de João em uma das obras mais lidas ao longo da história da humanidade, a Bíblia. Lázaro [1], acometido de uma doença, morre. Após sua morte, suas irmãs intercedem junto a Jesus e este vai até o sepulcro e profere: “Lázaro, vem para fora!”João, o evangelista, conta que em seguida “o morto saiu, com os pés e mãos enfaixados e com o rosto coberto com um sudário”. Lázaro, retirada à lápide da morte, retornou a vida! Ler é retornar a vida, constantemente. É retirar a lápide das palavras, como escreve Perros. 

Este retirar a lápide, visto pela pedagogia de Paulo Freire, é a leitura como desvelamento da realidade, ou seja, é quanto o leitor surge de dentro do sepulcro, como Lázaro, e passa a dar sentido a esta leitura. Sentido este que vai além da compreensão do código escrito. É a leitura do mundo e, por conseguinte, a leitura da vida, das coisas, dos homens sobre si, sobre os outros e sobre o que os cercam, os relacionam. Esta compreensão do texto a ser alcançada pela leitura implica, segundo Freire (1989, p. 9), a percepção das relações entre texto e contexto, isto é, perceber a vida que está para além da escrita da palavra.
Os livros contam a vida. Os livros contam a vida dos homens. Os livros contam das coisas que dão vida aos homens. Os livros ensinam aos homens a arte de viver. A morte da leitura é, neste sentido, o abandono desta vida que chega de dentro para fora. 
Eis o porquê da leitura (que não é apenas a da palavra) ter tamanha importância: “o homem não pode participar ativamente da história, na sociedade, na transformação da realidade, se não for ajudado a tomar consciência da realidade e da sua própria capacidade para transformá-la” (Freire, 1989, p. 47). É preciso que na família, na escola, na sala de aula, na comunidade e na vida com um todo, o homem seja preparado para uma autêntica educação, aquela que, como sempre defendeu Freire, liberte, não domestique e subjugue. Uma educação que tire a lápide da aprendizagem e permita ver as pessoas que fazem parte dela de uma forma integrada com o meio, com o mundo, pois aprendemos a ler a partir do que somos, do nosso contexto, de nossas leituras anteriores, como menciona Roland Barthes em seu livro S/Z- “esse ‘yo’ que aproxima al texto es ya uma pluralidad de otros textos, de códigos infinitos, o más exactamente, perdidos” (2009, p. 19). 
A leitura é, assim, uma forma de integração, de troca entre as pessoas no seu espaço ou fora dele. Isto é o que permite a produção do conhecimento e a ampliação dos saberes e das possibilidades de ler o mundo.


* Frase de George Perros
 
[1] (latLazaru, np de origem hebraica) 1 O que está atacado de lepra; leproso, morfético.2 O que está coberto de chagas (Dicionário Michaelis).

BARTHES, Roland. S/Z. Rio de Janeiro; Nova Fronteira, 1992.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.


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