De corpo e palavras.
Desde guria gosto de escutar histórias, causos antigos, gosto de gente e suas vivências. O meu pai foi o primeiro narrador que conheci. Com ele aprendi a escutar o brilho dos olhos, o recheio da história que não está propriamente na forma, mas no dizer, no contar.
É a voz, o tom de voz que embriada o ouvido. Contar uma história sem cadenciar as frases, sem dar emoção às palavras é como ler um poema e não preenchê-lo com alma. Perde a vida! É preciso cativar os ouvidos!
Lembro-me, certa vez, em uma noite quente de verão, como estas que abrem este fevereiro caloroso. Estávamos eu e meu pai na frente da nossa casa de veraneio. Éramos nós, o céu iluminado pelas estrelas e o cheio da lua. À volta, vaga-lumes e esperanças de chuva ligeira. O velho cantava versos, metamorfoseava palavras, dava vida ao dito. Nesta noite, me revelou muitos segredos. Explicou-me o que era o céu: "O céu é a lona preta de Deus, minha filha!" Colocou tanta verdade, tanta simplicidade e tanta musicalidade na narrativa que não consigo ver o céu, ainda hoje, em metáfora diferente.
Cada alma possui a história do seu corpo. Meu pai aprendeu o poder da palavra como sobrevivência. Construiu e deu forma ao seu corpo com palavras (e com ações). Foi o que deixou para mim e meus irmãos, de herança. E com ela - a palavra - dou vida a alma que meu corpo habita.
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