O exercício do olhar
Tenho escrito muito sobre
afetividade, sobre as relações, neste espaço. Penso, às vezes, que sou
repetitiva. É que minha vida gira um pouco em tentar compreender este aspecto
humano. Este humanizar-se. Este aproximar-se dos outro.
Eu trabalho com pessoas, trabalho
como mediadora de descobertas, de possibilidades, de aprendizagens. Eu sou
professora e amo minha profissão. Neste trabalho aprendi a ver para além das
formalidades de uma sala de aula, de seus rituais. Aprendi a ver as pessoas. E
aprendi a ver assim, de uma hora para outra, diante de uma turma de 6º ano.
Era agosto e fazia muito
frio. Eu entrava na escola para minha
primeira experiência no ensino fundamental. Haviam me dito que a turma para a
qual eu daria a minha primeira aula de língua portuguesa era uma turma difícil,
cheia de problemas. Eles não paravam quietos. Antes de entrar na sala de aula,
tentei desfazer-me de toda e qualquer possibilidade de ver a turma com olhos
alheios. Foi aí que uma mágica aconteceu. Eu vi por primeira vez. Havia vida
naquele espaço. Cada dia que passava, em cada olhar, via uma história de vida diferente.
Eram muitas dificuldades que eu realmente não poderia dar conta. Mas eu
poderia, ali, naquele espaço pequeno em que compartilhávamos a existência,
tentar criar um espaço afetivo de convivência e aprendizagens. Eu consegui,
acreditem. Dar e receber amor é um exercício diário que precisamos abraçar como
responsabilidade com a transformação, com a vida. E neste processo de
transformar a minha sala de aula, acabei me transformando e aprendendo muito
mais com meus alunos do que, sem dúvida, eles comigo. Eu jamais vou esquecer
aqueles olhares amorosos....
Em tempos de Páscoa, em tempos de
transformação, meu desejo é de que as renovações passem pelo olhar de todos os
professores, de todas as equipes diretivas, de toda a comunidade escolar. Que
haja doçura em suas formas de ver o ensino e que haja muito prazer em aprender
e em ensinar. Que a escola seja espaço de alegrias ...
Afinal, já escreveu Saramago, “se
podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Repara que, ao olhar com olhos de
amorosidade, tudo terá valido a pena.
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