De poesia e hereditariedade

A poesia sempre fez parte da minha vida.  No meu gene a poesia é a estrutura fundamental. E eu tenho como explicar esta hereditariedade: meu avô, minha avó, meus tios e meu pai eram poetas. 

Os Fernandes da Silva sempre se apresentaram ao mundo através de sua verve poética. O vô Pedro - que eu não conheci - trovava na Rádio Municipal São Pedrense, em São Pedro do Sul. Era conhecido na região - da cidade ao interior. Passou a trova adiante, pelo conviver das rimas. Meu tio Renato embalado pela sua gaita, trovava para toda a vila Gaúcha. O Tio Antonio segue rimando o seu sorriso, fazedor de alegrias. 

A vó Noemia iniciou os meus irmãos na arte da contação. Eu não lembro dela, morreu quando eu tinha apenas três anos. Porém, através de meus irmãos, reconstruí sua história de narradora. Era ela que despertava a imaginação deles nas noites em que posava na casa da gente... levando-os a viagens inesquecíveis pelo mundo do faz de conta.

O velho Aroldo, meu pai, versejava todos os dias na sua forma de viver a vida. Era iluminado. Iluminava. Antes mesmo de ler e escrever eu já recitava poesia pelas peças da minha casa, nas rodas de família, inspirada por ele, que escrevia comigo no colo e me mostrada o caminho do descobrir-se, do revelar-se em versos. 

Quando o pai morreu, foi a herança que me deixou: um pacote de lembranças, um violão e uma pasta com suas poesias. O violão silenciou-se. Eu nunca consegui aprender a conversar com ele. As lembranças me embalam todos os dias - estão presentes neste exato momento em que escrevo este texto - é o recheio dele. A pasta de poesias é um relicário guardado a sete chaves. 

Nesta pasta parda rabiscada com letra de pai estão as correspondências trocadas entre poetas, cartas que meu pai trocada com os seus pais enquanto morou em Cruz Alta e Porto Alegre, por conta de seu trabalho junto a Brigada Militar. É lindo ver, tantos anos depois, como a poesia unia a família. Era a língua compartilhada, o idioma familiar. 

Com a partida dos poetas, a poesia fragmentou-se. Hoje já não há um poema rimado que una as estrofes. Não há um verso no último terceto de nosso soneto familiar, todo chave-de-ouro. Mas há amor perpetuado em memórias... 


Velho Aroldo, com seu violão

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