De autópsias, poesias e práticas pedagógicas

                                          Uma parte de mim é permanente:                                                                                                      outra parte se sabe de repente
                                                         (Ferreira Gullar )

Descobri tarde as coisas que não gostava na escola e na universidade. Aprendi tarde a ter voz de dizer verdades. Descobri, por exemplo, que não nasci para autopsiar poemas. Eu os quero inteiros, imprimindo mil nuances as minhas interpretações. Não os quero repartidos. Não os quero pela metade. Não os quero pela boca de outros, mastigados.
Na escola, me perguntavam o que o poema dizia. Eu nunca tive coragem de dizer  o que o poema dizia. Para mim, o poema flutuava em minhas mãos, era portal. Não dizia. Me olhava, me espreitava. Mas o que pensava sobre o poema, não estava escrito no livro do professor. Então... 
Na universidade, para alguns professores, nenhum aluno era capaz de autopsiar um poema. Para eles, não éramos capazes, não conseguiríamos nunca. Poesia era um bem próprio para doutores examinarem (risos). Descobri tarde que eu não queria autopsiar poemas, pois não nasci para ser professora legista.
Em muitos momentos vivenciei práticas de tortura emocional em plena universidade pública – alunos de graduação sendo açoitados verbalmente porque não davam conta de modificar toda uma cultura educacional brasileira, afinal, não vinham para a universidade e seu academicismo recheados de leitura clássica. Para estes encontros, além da falta de envolvimento docente com a aprendizagem dos alunos, no sentido de prepará-los para a escola, faltava amor. Não só o amor pela própria arte que se trazia para o universo da sala de aula, mas fundamentalmente o amor ao humano, bem no sentido cunhado por Humberto Maturana.  
O amor é o fundamento do social, mas nem toda convivência é social. O amor é a emoção que constitui o domínio de condutas em que se dá a operacionalidade da aceitação do outro como legítimo outro na convivência, e é esse modo de convivência que conotamos quando falamos do social. Por isso, digo que o amor é a emoção que funda o social. E sem a aceitação do outro na convivência, não há fenômeno social. (MATURANA, 2009, P. 23 E 24)

Este amor que é uma tarefa do sujeito para Freire era a própria educação. Para ele, “quem não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar” (Freire: 2008, p. 36).  É uma pena que, como afirma Barcelos (2013, p. 24), “em educação ainda tenhamos muitas obviedades que precisam, realmente, ser incorporadas em nosso fazer educativo cotidiano”.

Que, em educação, não autopsiemos nossos sonhos... nem o de nossos alunos!
"que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio (...)
porque metade de mim é amor
e a outra metade também" (Oswaldo Montenegro)

Imagem retirada do sitio:
http://encruzilhadasliterarias.blogspot.com.br/2013/01/atencao-escritores-alencriativos.html

REFERÊNCIAS:

FREIRE, P. Educação e Mudança. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte. UFMG, 2009.
BARCELOS, V. Uma educação nos trópicos - contribuições da antropofagia cultural brasileira. Rio de Janeiro. VOZES, 2013.


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