Reflexões sobre o viver - parte 10

Taninha,

À Tania Miorando, colega de 
Doutorado em Educação na UFSM.

Fiquei muito feliz ao saber que serias a destinatária de meu relato sobre o filme "O Jogo da Imitação". Quero, desde já, te dizer que gostei muito da produção e que vi conexões entre o relato cinematográfico sobre Alan Turing (para mim, mais que sobre a 2ª guerra, que sobre o Enigma, o filme narrou a vida de Alan Turing!) e as nossas pesquisas, nossa caminhada investigativa pelos caminhos do doutoramento. Assim como o Turing – somos focadas no trabalho, não é?! Algo à moda Mills* – entrelaçamos nossa vida particular e nossa vida profissional. Dia a dia construímos – artesanalmente – nossas leituras e nossas produções em meio a livros, cadernos, quadro, giz, canetas e computadores. Escrevemos nossos medos, incertezas e descobertas em diários virtuais, “postites” coloridos, cadernetas, guardanapos. Viajamos literalmente – nos livros e nos caminhos que nos trazem e nos levam da e para a UFSM.  Como Alan Turing, batalhamos por desvendar os códigos de nossas próprias narrativas. Acredito que neste momento estamos por descobrir a decodificação de sinais que nos levarão a uma produção vindoura. E isto nos salvará não só de Hitler (risos), mas de nós mesmas - e da banca, claro!

Ao ruminar sobre o filme e as relações com as nossas pesquisas, lembrei da obra Odisséia, em especial, da personagem Penélope. Eu me sinto uma Penélope a tecer, dia a dia, os significados das minhas descobertas. Pesponteio e costuro retalhos teóricos a minha colcha diária. À noite, desfio incertezas na espera que Ulisses (a minha tese e a tua também) me salve de outras possibilidades. Acredito que neste tecer e refazer nossas colchas teóricas, nossos ações como sujeitos investigadores do e no campo da educação, estamos nos formando ou, melhor dito, estamos desenvolvendo um trabalho sobre nós (Ferry?**). Para muitos, isto também é uma escrita acadêmica – a que se dá no nosso corpo, cunhado de experiência.

Por fim, queria te deixar um poeminha do Manoel de Barros para lembrares sempre que é preciso abrir janelas, ampliar horizontes, mas nunca deixar a vida passar.



A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito. 

Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, 
que puxa válvulas, que olha o relógio, 
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis, 
que vê a uva etc. etc. 

Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.


Abraços, Angelise.



* MILLS, C. W. Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009.
*FERRY, Guilles. Pedagogía de la Formación. Buenos Aires: Centro de Publicaciones Educativas y Material Didáctico, 2004.

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