Reflexões sobre o viver - parte 12: Como se faz um professor de língua estrangeira? (Continuação)
Na última semana fiquei me perguntando e tentando elencar outros elementos importantes para nos transformarmos em professores de língua estrangeira, para além dos espaços proporcionados para o aprendizado de nossa docência. Por um momento, olhei para a minha história, para a minha caminhada dentro da profissão.
Tenho a impressão que comecei a me preparar para a profissão ainda na infância quando buscava sintonizar rádios argentinas e uruguaias em um rádio a pilha. As ondas que traziam estas vozes em língua espanhola só começavam a aparecer próximo a meia noite. Eu esperava ansiosa por cada possibilidade. Era um mundo diferente e ao mesmo tempo tão próximo do meu que eu desejava fazer parte. A literatura foi outro caminho que me levou ao encontro com a língua espanhola. Li, reli, devorei literatura de fronteira, literatura do outro lado da linha divisória. Nestes encontros - penso eu - já acontecia a minha formação.
É tema complexo definir e/ou delimitar a quantidade de saberes necessários para a nossa formação. Sem "esgotar" o "inesgotável" - penso que há dois dispositivos fundamentais para que esta aconteça: o desejo e o comprometimento consigo.
O desejo é o dispositivo primeiro para uma relação de saber com a e na profissão docente. "El deseo conduce al placer, al goce, y no a un objeto determinado, el deseo no puede llevar al goce sino a través de un objeto y, en este sentido, todo deseo es deseo de", explica Bernard Charlot (2008, p. 36). No caso da formação docente, todo desejo deve ser desejo de aprender, de saber os saberes necessários à profissão. Estes saberes são inúmeros - já sabemos - mas um deles é fundamental chamar à baila: o saber da ação pedagógica. Hoje, vivenciamos uma busca intensa pelos saberes específicos e, em muitos casos, nos esquecemos que este é um dos saberes mais necessários à profissionalização do ensino (Gauthier, 1998, p. 34).
Outro dispositivo fundamental à formação é o que Ferry (1991) define como "trabajo sobre si mismo". Para o autor, formar-se não pode ser mais que um trabalho sobre si mesmo, livremente imaginado, desejado e perseguido, realizado através de meios que se oferecem ou que se procura. Trata-se de um comprometimento do sujeito consigo ao longo do (interminável) processo que é a formação. Parece coisa da psicanálise - e é! Mas é, também, considerar a docência não mais como vocação e, sim, como profissão. E, dessa forma, buscar conhecimento para o seu desenvolvimento.
Tornar-se professor de língua estrangeira (tornar-se professor de forma geral) não é meramente de um treinamento para a profissão. É algo mais profundo e está para além de possíveis receitas, técnicas e de bancos universitários. Tornar-se professor de língua estrangeira é comprometer-se amorosamente com o processo que é nosso e que é do outro, o nosso aluno. Este amor, para Freire, é a própria Educação.
Fonte da imagem: http://super.abril.com.br/blogs/planeta/leia-mais-de-graca-e-de-ao-mundo-o-seu-livro-favorito/ |
FERRY, G. El trayecto de la formación. Paidos: Madrid, 1991.
CHARLOT, Bernard. La relación con el saber, formación de maestros y profesores, educación y globalización. Ediciones Trilce: Montevideo, 2008.
GAUTHIER, Clermont. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente.Editora Unijuí: Ijuí, 1998.
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